terça-feira, 2 de janeiro de 2018
Texto escrito para a disciplina de Contexto Nacional e Internacional usando a técnica de Story Telling:
Atenção: Antes de ler esse texto saiba que a autora não corrobora com nenhuma atitude racista, o intuito do texto é escrever como o racismo falaria, ou seja, sendo racista, mas mostrando a opinião da autora de que o racismo deve acabar pois ele machuca e mata pessoas inocentes.
Eu não sei quando nasci, não há nenhuma certidão que mostre essa data. Eu não sei quem foi meu pai ou minha mãe - tenho certeza de que são brancos pois não consigo imaginar como seria ruim ser filho de negros - mas de algum modo eu estou na sociedade há muito tempo. Sempre estou em todos os lugares, eu estou em espaços públicos em que é claramente perceptível a diferença entre negros e brancos; estou em alguém chorando em algum lugar por conta de algo que ouviu a respeito de sua cor (a culpa não é minha se você é escurinho); estou em alguém que foi preso não por estar no lugar errado na hora errada ou por ser culpado por algum crime, mas por ser negro (a polícia precisa se certificar que não é mais um favelado assaltante); estou em cada um daqueles que já me sentiram na pele e também estou naqueles que dão poder para que eu seja assim. Muito prazer, meu nome é racismo. Hoje pessoas lutam para que eu desapareça do mundo, coitados, fazem protestos, reúnem pessoas agredidas por mim e dizem que eu não sou bem-vindo, mas não faço questão de ser, foram vocês que me criaram permitindo que eu deixasse marcas por onde eu passo e por quem eu passo, mas hoje não quero falar das pessoas e sim do Brasil. Posso não parecer bem informado, mas sou, afinal já fazem décadas que estou aqui, então por que falar do Brasil? Bem, o Brasil está entre os países que mais matam no mundo de acordo com o Mapa da Violência de 2016 e parte disso recai sobre mim pois a maioria desses jovens são pretos, e caso você seja tolo o suficiente para não saber, essas pessoas são os meus alvos, resta saber o motivo pelo qual eu ainda tenho poder de ataca-las sendo que vocês já me conhecem, sabem os efeitos causados por mim e mesmo eu achando que são só brincadeiras e não entender o motivo, ainda existem pessoas que choram e morrem por minha causa. Eu sou o racismo e eu mato pessoas. O Atlas da Violência 2017 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, elas possuem chances 23,5% maiores de serem assassinadas em relação a outras pessoas de outras raças e essa é somente a ponta do iceberg, se formos analisar a mortalidade das mulheres brasileiras de cor o índice subiu 22% enquanto a taxa de mortalidade de não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4%. Eu não sei vocês, mas eu não chamaria esses dados de uma
simples coincidência, não deveria haver tanta discrepância entre os dados se estivéssemos em um país em que a minha presença não fosse tão marcante, embora eu acredite que as mulheres brancas não vivam nas mesmas condições que as escuras e não sejam tão propícias a essas ocasiões, no Brasil as pessoas morrem por conta da cor, isso é fato. O Brasil passou por 358 anos de escravidão e talvez seja através dela que eu cheguei aqui, entretanto já se passaram 128 anos desde a sua abolição e vocês, humanos que dão o poder que eu preciso para agir, precisam assumir essa culpa pois quando perguntados vocês nunca são racistas, enquanto a verdade é que vocês usam e abusam de mim com um véu por cima, me escondem em seus discursos quase como se isso fosse atenuar os meus feitos. Eu, racismo, já estou cansado de lidar com a tolice de vocês. Há uma diferença entre os negros e os brancos, mas foram vocês que a criaram e que me criaram. Mesmo que eu ache que os brancos são superiores já se passaram 128 anos. Pergunto novamente vocês assumem a culpa que carregam? Se a resposta for sim espero que amanhã seja diferente, espero que você não veja um negro na rua e mude de calçada; espero que você não prenda ou mate alguém pela cor; espero que você não recuse o currículo de algum candidato a sua empresa pela cor; espero que você não humilhe a sua emprega doméstica pela sua profissão ou pela sua cor; espero que em todos os casos em que eu possa estar presente você repense, assumam a culpa. Muito prazer, meu nome é racismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS WAISELFISZ, J.J. Mapa da Violência 2016: Mortes Matadas por Armas de Fogo. Rio de Janeiro, FLACSO/CEBELA, 2016. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Atlas da Violência 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/2017>. Acesso em: 16 de outubro de 2017.
Cantora. Compositora. Multi-instrumentista. Atriz. Escritora.
Ativista brasileira. Rita Lee Jones de Carvalho ou simplesmente Rita Lee é tudo
isso e muito mais. Da cor avermelhada aos cabelos grisalhos Rita viveu e
aprendeu muito em seus 69 anos, em um livro titulado “Rita Lee: Uma
Autobiografia” a paulista conta todas essas histórias com fotos inéditas de seu
acervo, nós lemos todas elas e contamos para você o que achamos.
Rita Lee: Uma Autobiografia é um livro que te liberta de
qualquer curiosidade sobre a rainha do rock. Escrito por ela, há relatos
íntimos e loucuras compartilhadas complementadas por fotos especiais. O livro
nos faz sentir amigos dela nos contando a relação com o pai, americano e frio,
e como o “descongelou”, a relação de admiração com a mãe e irmãs, além de
pessoas que chegaram na vida dela e fizeram parte de sua criação, como por
exemplo sua babá madrinha.
Rita Lee revela um trauma irreparável quando tinha apenas 5
anos, que para sua família, justificou todos seus ajustes comportamentais.
Exceto para o pai, que nunca soube do ocorrido. A vida da rainha do rock sempre
foi rica de autonomia e casos polêmicos. Relatos de seus porres, drogas e o
vício em cachaça, Rita afirma que defende o clichê sobre ser mais feliz em cima
de um palco. Afirma que era muito mais porreta em cima dele do que na vida do
lado de fora e com certeza a presença de palco dessa mulher é incomparável.
A ruiva que assumiu os grisalhos nos conta que não se arrepende
de nada e nem faz “discursinhos antidrogas”, como ela mesma se refere. Não se
culpa por ter entrado em muitas e se orgulha de ter saído de todas. Reconhece
que suas melhores músicas foram compostas em estado alterado e as piores
também. Afirma que sua geração sofreu a claustrofobia de uma ditadura e usar drogas
era uma maneira de respirar ares de liberdade e diz: eram de melhor
qualidade do que as malhadas de hoje que são traficadas por assassinos.
Dona de si e de uma
personalidade própria, desabafa que nunca passou pela não aceitação da idade e
por isso se aposentou dos palcos não lamentando os bons tempos que não voltam
mais e afirma que menos ainda tentaria exibir boa forma em público com
plásticas e botoxes para se dizer viva. Rita Lee se eternizou como única e
incomparável na autobiografia escrita.
Além de tudo, a biografia de
Rita Lee está longe de estar em comparação com aquelas biografias que julgamos
cansativas de ler. Quanto mais você descobre sobre a vida de Rita mais que
saber sobre ela, é intrigante. Rita Lee não tem rodeios ou fingimento, a vida
dela nem sempre foi boa e nem sempre foi ruim, e ela deixa claro ambos os
momentos. Rita consegue enxergar a beleza de viver.
Rita Lee: Uma Autobiografia não
apenas é um livro bom para ler, mas importante. Importante para saber sobre um
contexto do nosso país vivido de perto por alguém admirável e importante para
conhecer mais sobre a cantora além das músicas. Rita, a ovelha negra da
família, conta para nós como essa pequena ovelha conseguiu se tornar grande.
Rita Lee: Uma Autobiografia está à venda nas livrarias de todo o país e também
na internet. Vá ler, uma vida dessas, bicho…
Ensaio escrito para a matéria de Jornalismo Cultural:
Com o sucesso da primeira temporada
a Netflix lançou “Stranger Things 2”, o nome veio de uma tentativa de uma
continuação mais cinematográfica que televisiva para a série. Nessa temporada, a
trama se passa quase um ano após os acontecimentos da anterior, a cidade de
Hawkins continua com seus mistérios, dessa vez todas as abóboras das plantações
apodreceram do dia para noite sem nenhuma explicação, mas com uma nuvem de
moscas pairando sobre elas, a história parte desse problema inicial por estar
próximo ao Dia das Bruxas e dele são desencadeados os acontecimentos dos nove
episódios da série.
Respondendo às perguntas deixadas
pela primeira temporada, o roteiro de Stranger Things 2 reafirma a ideia dos
criadores, roteiristas e diretores, Matt e Ross Duffer, e pelo
produtor-executivo e diretor Shawn Levy, de criar uma atmosfera mais
cinematográfica, é possível perceber os três atos em que nos primeiros
episódios os personagens reencontram-se e começam a perceber a ameaça (o Monstro das Sombras), já na metade começam a surgir
os conflitos e nos dois últimos a turma de protagonistas dos anos 80 começam a
trabalhar para uma resolução.
Por conta dessa sucessão de
acontecimentos é possível acompanhar a série em um ritmo moderado, não são
passados para o telespectador em um ritmo tão rápido aponto de atrapalhar a
compreensão e nem em um ritmo tão lento que faça com que haja uma desistência,
Stranger Things 2 consegue fazer com que a trama vá acontecendo de uma forma com
que os personagens consigam ser mais aprofundados e desenvolvidos, mesmo
aqueles recém inseridos como os irmãos Max (Sadie
Sink) e Billy (Dacre Montgomery), o inteligente Bob Newby (Sean Astin) e o
jornalista Murray Bauman (Brett Gelman), todos eles conseguem
um espaço para crescer entre as ameaças do Mundo Invertido e os conflitos do
meio mundano.
Em relação ao desenvolvimento dos
personagens, podemos ver mais sobre Will Beyers (Noah
Schnapp) e a sua relação com o Mundo Invertido depois de sua abdução. Nessa
temporada, Will passa a ser hospedeiro para o Monstro das Sombras, por essa ligação
ele passa a ser crucial para a história já que é por meio dele que diversas
ligações necessárias são estabelecidas, mesmo com a exigência pelo destaque do
personagem Noah Shnapp não decepcionou e mostrou uma atuação surpreendente.
Conseguimos
ver também um pouco mais sobre a história da Eleven (Millie Bobby Brown), mesmo
mais distante dos acontecimentos principais, a personagem está em uma jornada a
parte de autoconhecimento que revelará uma importância maior no final da série
mostrando como cada acontecimento, inclusive aqueles que passam uma importância
menor, são necessários para a trama como o episódio exclusivo para o encontro
entre Eleven e sua irmã, Kali (Linnea Berthelsen), criticados por muitos como
desnecessário, mas que mostrou que o encontro das duas irmãs de laboratório era
algo pelo qual Eleven precisava passar para o que aguardava a personagem no
final.
Além da
atenção para os personagens a série traz inúmeras referências – Caça-Fantasmas,
Aliens - O Oitavo Passageiro e O Resgate, Conta Comigo, Gremlins, E.T. O
Extraterreste, Os Goonies, It - A Coisa, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, A
Garota de Rosa-Shocking, o Ataque dos Vermes Malditos, o Exorcista, Harry
Potter, O Senhor dos Anéis – tudo planejado pelos irmãos Duffer e Shawn Levy
para acrescentar a história somado ao ambiente dos anos 80 e a Guerra Fria,
tento um efeito quase nostálgico sobre quem assiste.
A
contribuição de Shawn Levy como produtor da série é positiva, podemos ver como
a direção de Shawn contribuiu para que todos os objetivos dos criadores fossem
alcançados, o diretor trouxe muitos de seus trabalhos para a série como a
franquia Uma Noite no Museu, podemos ver elementos dela como a mistura dela
entre a comédia e o suspense e também o modo fácil como ele trabalha com
crianças que se assemelha com a sua direção em Doze é Demais, o que revela que
a escolha por Levy foi muito sensata.
Combinando
a direção e produção com a fotografia e trilha do filme temos um resultado surpreendente.
O modo com que as câmeras trabalham misturado ao figurino e os tons
avermelhados e sombrios lembra muito os filmes dos anos 80, há um suspense
feito em horas especificas com uma trilha ao fundo com velhos clássicos como
Cindy Lauper, The Police e The Clash que garante bons sustos durante a série.
Para trazer a fantasia para a série, podemos perceber uma atenção maior ao CGI
com efeitos visuais ricos em detalhes que mostra que foram muito melhor
trabalhados que na primeira temporada.
Em
contrapartida, ainda há perguntas deixadas pela série que
esperamos que sejam respondidas na próxima temporada, ainda não sabemos onde
encontra-se o vilão Dr. Martin Brenner (Matthew Modine) e não sabemos ainda o
posicionamento do Dr. Owens (Paul Reiser), também resta a dúvida sobre as
outras crianças do Departamento de Energia, se Kali conseguiu escapar do
laboratório, talvez outras crianças também tenham conseguido. Outro personagem
que nos deixa com perguntas é Steve (Joe Keery), com o desenvolvimento dele
resta saber se ele estará ou não na próxima temporada, muitos esperam que sim.
De
qualquer modo, a segunda temporada de Stranger Things deixa uma sensação de
dever cumprido, uma série bem produzida e que mesmo sendo uma proposta nova
mantém uma fidelidade as suas origens, traz bons efeitos visuais, belas tomadas
abertas e um enredo que além de causar curiosidade para a próxima temporada passa
uma conformidade pela forma com que terminou. A terceira temporada ainda não
tem data de lançamento, mas a expectativa já está alta, só nos resta esperar.
Durante a aula de Cobertura Jornalística e Redação I, o nosso professor pediu uma reportagem e as informações eram: Uma briga entre um garimpeiro e um policial, em um garimpeiro fictício em Aparecida do Norte no Pará também fictícia. Segue abaixo a minha:
Perto do amanhecer, José de Ulisses
Pereira acordou, trocou e tomou o tradicional café antes de ir para o garimpo.
Trabalhava a procura do ouro desde os seus oito anos quando ainda acompanhava o
pai, Ulisses, no garimpo. Zé de Ulisses, como era conhecido, carregava consigo
uma picareta, o nome do pai, rancor e esperança. Uma picareta para o trabalho;
o nome para se orgulhar do pai; rancor pois seu pai foi morto por policiais na
frente de Zé e esperança para que algum dia o garimpo fosse apenas uma
lembrança.
Ainda realidade, Zé era o meia-praça
do garimpo, sendo assim responsável por delegar onde os 10 garimpeiros que
comandava iriam escavar. Recebia de 2 a 5% do que era escavado por seus homens,
mais que os garimpeiros comandados por ele, mas não o suficiente para deixar o
garimpo. Infelizmente, poucos que entram para o garimpo possuem uma chance real
de sair dele. Mesmo com condições desumanas de trabalho, carga horária
excessiva e rendimento de menos que um salário por mês, para muitos o garimpo é
o único modo possível de trabalhar e buscar uma vida melhor.
É o caso de João Tainha, um dos homens
de Zé, era um cavador, sobrevivia marretando a rocha com picaretas atrás de
pepitas. É um dos trabalhos mais duros do garimpo, depende-se muito da sorte,
pois não é possível saber se o barranco estava premiado ou não antes de
explorá-lo. João também devia estar bem cedo no garimpo, quando chegou Zé já
estava delegando onde seria o local de escavação no dia. Depois disso, todos os
onze garimpeiros desceram as escadas longas até o local em que passariam o dia,
era preciso muito cuidado tanto na descida quanto na subida da escada, muitos
já morreram.
Próximo as 10 horas da manhã, João já
estava com os pés já sujos de lama, com o suor escorrendo persistia a escavar a
parede com movimentos quase que automáticos. Quando estava cansado como agora
gostava de lembrar do som de sua filha rindo, o cheiro da comida da mulher que
inundava a sua casa, não via nenhuma delas há anos, mas as lembranças continuavam
com ele e em meio ao calor excessivo do garimpo elas se faziam mais presente.
Em momentos de desespero, João permitia-se parar um pouco, algumas vezes bebia
água das poças de lama do garimpo, era a única fonte de água já que a encanada
ficava no refeitório junto com a comida e para ter acesso a ela era preciso
subir as escadas novamente. Para João Tainha, era melhor engolir a água com
terra do que morrer de desidratação.
Sob o sol latente, João Tainha olha
para Zé de Ulisses que, mesmo sendo meia-praça, também escavava para conseguir
mais ouro e poder ganhar mais, muitas vezes ele e Zé passavam a noite escavando
para receber em troca 8 ou 10 gramas de ouro, como aconteceria essa noite, João
admirava Zé, ele estava naquele trabalho desde criança. Não é um trabalho fácil,
João já viu muitos companheiros de picareta morrer por diversos motivos:
insolação, desidratação, queda das escadas longas, um deles chegou a ficar
louco com a rotina de trabalho. João costumava dizer que “o garimpo não é para
aqueles que tem coragem para escavar, é para aqueles que aceitam morrer
escavando”.
Depois de recolher o ouro, João, Zé e
os outros homens sobem mais uma vez para o almoço, o medo faz-se muito presente
nesse momento já que as escadas não são seguras. Quando finalmente conseguem
chegar ao refeitório a fila já era imensa e as mãos de João começam a arder,
não era o ardor comum de quando você fica pendurado naqueles brinquedos de
criança por muito tempo, era o ardor de quando colocam sal em um corte. João
tinha as mãos calejadas pelo trabalho e subir 150 metros por uma escada feita
de cordas e madeiras velhas faziam diversos cortes na mão de João, quando olhou
para baixo só havia sangue. Em uma tentativa de parar o sangramento, João sai
da fila para lavar as mãos em uma mangueira a cinco passos da fila para comer.
A água faz com que os cortes ardam mais um pouco, mas com a frequência com que
aquilo acontecia João Tainha já estava acostumado.
Ao retornar para fila, João é
surpreendido por um policial que o agarra pelos cabelos, se os cortes já doíam,
o puxão do policial apenas somou a dor. O policial conhecido como Cabo Silva,
da Polícia Federal, gritava que João Tainha cortou a fila para o almoço, em protesto
João gritava o contrário enquanto era puxado para o final da fila. As mãos
sangravam, os pés doíam pelo sol quente, a boca seca de João implorava por água
e comida, seu corpo parecia que iria cair aos pés do policial a qualquer
momento, mas mesmo assim ele gritava a plenos pulmões até chegar ao final da
fila.
O policial jogou João no chão ficando
frente a escada onde os outros aguardavam para subir. Levantou com o resto das
forças que tinha, olhou para o rosto do policial Cabo Silva e disse: “Eu não
furei a fila”, tentando manter o resto de dignidade que possuía, sentia-se
humilhado. Em resposta, Cabo Silva deu um soco no rosto de João. “Não é você
quem decide”, foram suas palavras. Depois tudo a partir daquele momento na
visão de João Tainha aconteceu muito rápido.
Vendo o companheiro de trabalho ser
levado pelas mãos de um policial, Zé de Ulisses demorou para seguir os dois. As
injustiças no mundo do garimpo aconteciam todos os dias, mas Zé estava cansado
de ficar calado com tudo aquilo. Ficou calado quando assassinaram seu pai,
permaneceu calado quando retiraram sua mãe do garimpo arrastada depois de
segurar o marido até morrer, não ficaria calado ao ver o seu companheiro mais
fiel apanhar por ter lavado um ferimento. Chegou a tempo de presenciar o
policial socar o rosto de João Tainha, imediatamente Zé de Ulisses colocou-se
entre o policial e o garimpeiro. Olhando para o rosto do policial, Zé de
Ulisses o reconheceu.
Francisco Xavier Silva, o oitavo filho
de uma família de dezesseis filhos, havia sido delegado para patrulhar o
garimpo há menos de um ano. Cabo Silva não deixou que Zé pudesse dizer uma
única palavra em defesa de João Tainha e ordenou que retornasse ao seu lugar
caso não quisesse seguir o mesmo caminho que o cavador. Não foram aquelas
palavras que fizeram com que a mão fechada de Zé de Ulisses golpeasse o
policial, foi o empurrão que veio depois delas. Cabo Silva empurrou Zé de
Ulisses e naquele momento, todo o rancor que ele guardava preso dentro de si
resolveu se manifestar. A imagem do Zé menino de 9 anos, vendo o pai ser morto
após aceitar o resto da marmita de outro garimpeiro para dividir com o filho
encheu os olhos de Zé. A visão de sua mãe abaixada ao lado do pai ensanguentado
sendo retirada a força por policiais o cegou e naquele momento Zé não via mais
Cabo Silva, e sim o assassino de seu pai, naquele momento, Zé de Ulisses queria
mata-lo.
Os outros policiais chegaram para
apartar a briga, mas outros garimpeiros também se envolveram na confusão.
Quando já haviam sangue e homens feridos, o coronel do garimpo sacou a sua arma
e atirou em todos os homens na escada que estava a sua mira. Dezenas de corpos
caem enquanto outros tentam se segurar com o impacto. Não havia mais luta, não
havia mais confusão, todos param. Zé de Ulisses observa sua mão machucada com
os socos que deu, olha em volta procurando seus homens e todos estavam parados.
“Voltem ao trabalho”, disse o coronel e ninguém ousou fazer o contrário.
Ao todo 57 garimpeiros e 48 policiais
foram feridos, enquanto outros 64 garimpeiros foram mortos. A maior tragédia no
maior garimpo a céu aberto no mundo aconteceu ontem. Hoje o garimpo está no
mesmo lugar, João Tainha, 38, continua como cavador; José de Ulisses Pereira,
42, ainda delega 10 homens, porém seis deles morreram na tragédia sendo
substituídos por outros garimpeiros. Cabo Silva foi morto na tragédia, mas não
pelas mãos de Zé. O garimpo ainda é uma realidade dura que machuca muitos ao
redor do Brasil, em Aparecida do Norte aqueles que presenciaram a tragédia
seguem suas vidas na busca de uma vida melhor, vivendo em uma vida que é mais
fácil ver colegas de trabalho morrendo que o lucro do ouro. O garimpo não é
para aqueles que tem coragem para escavar, é para aqueles que aceitam morrer
escavando.